26 de outubro de 2017
A educação pode proporcionar condições para a transformação de pessoas em cidadãos. Com uma educação emancipadora podemos nos transformar em agentes capazes de interpretar o mundo, assumir protagonismos e modificar realidades. Durante o mês de outubro, o Projeção Virtual se dedicará a falar deste tema, apresentando projetos de extensão que acontecem na UFV que promovem visões necessárias sobre o ensino e a educação. No primeiro texto, falamos sobre a proposta de incluir pessoas com deficiência auditiva e o projeto Surdo Cidadão (clique aqui para ler). Hoje, falamos sobre um projeto de práticas educativas para uma escola pautada nos Direitos Humanos.
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Projetos de lei como “Escola Sem Partido (PEC 55) e “Escola sem Ideologia de Gênero” (discutida quando da elaboração do Plano Decenal Municipal de Educação de Viçosa) falam sobre os direitos e professores dentro da sala de aula, regras para a definição de material didático para utilização pelos alunos e a capacidade dos pais de educarem os próprios filhos, em casa. Leis como estas podem ser vistas como uma tentativa de invisibilizar a diversidade no ambiente escolar, afirma Maria Isabel de Jesus Chrysostomo (Geografia – UFV): “A escola é o lugar onde a criança vai iniciar seu processo de formação não apenas curricular, mas como cidadão e cidadã. Vetar temas como o machismo é impedir que seja feita uma reflexão sobre a diferença e a possibilidade da convivência e do reconhecimento como diferente e portador de direitos. Projetos de leis intolerantes, como o “Escola Sem Partido”, são um reforço a mais para a importância de novas práticas educativas”.
O projeto “Práticas educativas para o exercício dos Direitos Humanos: discutindo a diversidade no espaço escolar” começou em 2016, com o objetivo de estimular reflexões relacionadas ao machismo, racismo e intolerância religiosa à Escola Estadual Raul de Leoni, no bairro Santo Antônio, em Viçosa – uma proposta antônima aos projetos de lei polêmicos discutidos atualmente. Pâmela Xavier Bastos, estudante de Geografia e voluntária no projeto, conta que o projeto foi criado pensando na realidade desta escola: “Esta é uma escola periférica, de maioria de alunos negra, mas que não inseria conteúdos sobre raça e africanidades na sua ementa”. Maria Isabel, coordenadora do projeto, reforça a importância das atividades: “Nossa sociedade pratica cada vez mais atos de intolerância e a escola reflete isso em diferentes níveis: desde a discriminação destas temáticas nos ambientes escolares até o total desconhecimento destas questões, como religiões de matriz africana e machismo. Isso permeia o cotidiano dos estudantes e da escola”.
O projeto é desenvolvido por meio de oficinas que buscam sensibilizar e incentivar posturas mais reflexivas, despertando o senso crítico nos estudantes de 10 a 11 anos de idade. Apesar da pouca idade, as crianças já carregam consigo uma naturalização em relação a situações de preconceitos que já podem ter vivido, conforme aponta Pâmela: “Estas crianças já guardam muitos preconceitos internalizados. Mas podemos dizer que o objetivo tem sido cumprido, aos poucos, com os diálogos e atividades. No início, eles se assustavam com as discussões sobre religiosidade, por exemplo, mas esse susto não acontece mais”.
A primeira oficina versava sobre beleza e aparência: diante de um espelho, os estudantes precisavam enumerar suas “imperfeições” e desenhar sua versão “ideal”. Em outra oficina, foram questionados sobre os papéis de homens e mulheres na sociedade. As seguintes foram sobre a meritocracia e sobre religiões de matriz africana. O resultado, afirma Natália Silva Paiva, estudante de Geografia e bolsista do projeto, evidenciou algumas questões na turma: “Alunos gordos se desenhavam magros, alunos negros se desenhavam loiros… Os papéis dos homens e das mulheres eram muito bem delimitados com cores, ações, comportamentos esperados… Os estudantes que estavam mais à frente do espaço sobre meritocracia eram brancos, homens… Na atividade sobre religiosidade, estudantes não quiseram reproduzir ações que são de religiões como o candomblé… Ao fim, a gente sempre faz uma discussão para desmistificar o tema e quebrar preconceitos”.
Natália ainda conta que, desde o início do projeto, o comportamento dos estudantes mudou: “A gente percebe que algumas brincadeiras ofensivas e bullying diminuíram bastante”. Pâmela Xavier Bastos conta que também é importante um posicionamento do professor: “O projeto [Práticas educativas para o exercício dos Direitos Humanos] acontecendo chamou a atenção de outros professores, da direção da escola e de funcionários para a importância dessa discussão. Isto é importante porque o professor precisa entender seu papel como mediador de conflitos no espaço escolar, respeitando a diversidade e quebrando algumas construções sociais.”
Maria Isabel Chrysostomo reafirma a importância da sensibilização ao tratar destes assuntos: “Precisamos fornecer instrumentos para garantir a convivência social e dar possibilidades para que todas as falas, todas as diferenças construam contratos, construam acordos. A oportunidade que as crianças têm de mudar um pouco o mundo delas a partir da reflexão é importante. A escola é a esfera da constituição disso”.